Carlos Alberto dos Santos Dutra

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Carlos Dutra em Bodoquena (Foto: Orlando Zimmer, 1986)

É impossível contar uma história Ofaié sem mencionar Carlos Alberto dos Santos Dutra, que há mais de 20 anos tem se dedicado a pesquisa etno-historica desse povo. Com mais de 1.500 notícias e artigos publicados, é autor de livros como “Ofaié, o povo do mel” 1991, “Ofaié, morte e vida de um povo” 1996 e “O território Ofaié pelos caminhos da história” 2011.

Possui também obras em outras linhas como “As Ocupações de Terra e a Produção do Direito” 2001, “A Outra Face do Rio Grande – Ideologia e Mitificação do Gaúcho” 2009, além de crônicas, poemas e canções.

Carlitos, como gosta de ser chamado, nasceu no dia 28 de fevereiro de 1956 na cidade de Cacequi, cercada por três rios: Cacequi, Ibicui e Santa Maria, estado de Rio Grande do Sul. Segundo as memórias de família, o avô de Carlos teria sido um indígena Charrua. Sua infância foi de um jovem normal, estudando, trabalhando e apaixonado pela leitura, “Meu primeiro brinquedo foi um livro”, conta.

Estudou em colégio agrícola e na juventude se alistou no quartel chegando a posição de cabo. No próprio quartel, em cenário de ditadura militar, criou um grêmio difundindo informações não permitidas dentro da estrutura.

“No quartel eu lembro que pedi autorização e coloquei um quadro mural com recortes de jornal com as principais notícias. A noite o comandante ia lá e tirava as notícias, eram notícias que não eram permitidas serem divulgadas. Eu nasci com uma inquietaçãozinha de questionamento e enfrentamento em algumas situações.”

Com a maior idade, maiores responsabilidades. Carlos foi trabalhar na Rede Ferroviária como peão, sendo deslocado para a cidade de Pelotas. Na nova cidade, em 1977, iniciou o curso de Medicina Veterinária na UFPEL, e nessa nova fase aconteceu algo surpreendente como ele mesmo conta: “Já estava no quarto ano de veterinária e numa viagem pelo Rio Grande do Sul, de baixo de uma ponte, tive uma inspiração e aí decidi ser padre”. Após essa inspiração, matriculou-se no curso de filosofia da UCPEL, em 1980, concluindo a veterinária no ano de 1981.

Em 1982, decide ir para Porto Alegre cursar Teologia na PUC, ficando na cidade por quatro anos. Nesse momento, Carlos tem seu primeiro contato com as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), trabalhando no Morro da Cruz em Porto Alegre. Com o trabalho na CEB e um ambiente repleto de filosofia e teologia, Carlos teve seu primeiro contato com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, muito também por influência da PUC. Ele participou diretamente de duas mobilizações emblemáticas: Encruzilhada Natalino e Ronda Alta.

Carlos relata que sua inclinação para a questão indígena deu-se quando viu uma foto de um índio Xacriabá na propaganda da semana do índio promovida pela Associação Nacional de Ação Indigenista-ANAI, se interessou tanto que buscou contato com membros da associação e passou a acompanhar seus projetos. O primeiro contato com indígenas se fez na comunidade Guarani Mbya.

Terminando a faculdade de teologia, já como missionário, foi convidado para acompanhar um grupo indígena localizado na Serra da Bodoquena (oeste do Mato Grosso do Sul, próximo a região do Pantanal). Teve sua preparação em Brasília e Belém, fazendo um curso rápido de Antropologia.

Sua primeira parada no Estado de Mato Grosso do Sul foi na cidade de Dourados, em 1986, sendo incorporado a Diocese. Era um momento de muita violência para com os povos originários, então a presença dos missionários fazia-se importante. A ameaça policial também era contínua. O trabalho de Carlos era diretamente ligado com a imprensa, em informar os acontecimentos que punham em risco a vida dos indígenas. Muitos textos da época foram publicados na sua obra “Razão e utopia, textos rebeldes”, lançada em 1998.

Após esse período, Carlos seguiu em direção a sua missão, na cidade de Bodoquena onde estavam os Ofaié, mais precisamente no Vasantão.

“Chegando lá, nessa cidadezinha de Bodoquena, de Bodoquena você vai para Morraria do Sul, você desce para o Tarumã, do Tarumã você vai para o Vasantão, então, os Ofaié estavam no Vasantão, que é dentro do Tarumã e o Tarumã é dentro do povoado (Bodoquena), só que não é mais Bodoquena, já é Porto Murtinho. Então, eu fiquei alojado em Morraria do Sul”

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Carlos Dutra e Don Onofre Rosas, Bispo de Jardim. Ao fundo a paróquia da diocese de Jardim (Foto: Carlos Dutra, 1986)

Sua primeira forma de adentrar a comunidade foi como professor, ministrando aulas de matemática. Como missionário, atendia na capelinha realizando batizados, casamentos e outros rituais da igreja. Nesse contexto, Carlos estava ligado a Diocése de Jardim, que oferecia os recursos logísticos de acolhimento e manutenção. Carlos aguardou seis meses até que sua entrada na aldeia fosse autorizada pelos indígenas: “Toda semana eu ia, todo mês eu ia lá, chegava na porta e tinha um índio Terena no posto indígena, tinha que entrar lá para ir onde estavam os Ofaié”.

Carlos viveu por um tempo no povoado Morraria do Sul, próximo dos indígenas, criando laços de amizade e deixando claro suas intenções como missionário na ajuda aos Ofaié. A população local vivia momentos de opressão e medo com os Kadiwéu, e conhecendo os argumentos de Dutra, passam a entender que os Ofaié viviam situação parecida. Esse cenário foi consequência de ações tomadas pela FUNAI, ao retirar as principais etnias indígenas do estado de suas terras originais, alocando-as na reserva Kadiwéu na ideia de criar um parque indígena onde viveriam todos os indígenas do MS. Carlitos conta que os maiores prejudicados nesse contexto foram os Guarani e o Ofaié.

Depois de uma pequena espera, passa a morar com os Ofaié e compartilhar de seus costumes e vivências diárias. Nesse momento, também participa do Conselho Indigenista Missionário-CIMI, e se articula com outras ONGs como o Grupo de Trabalho Missionário Evangélico-GTME, Projeto Kaiowá Nhandeva-PKN, Centro de Trabalho Indigenista-CTI, Comissão Pró Índio.

No ano de 1987, participa do retorno Ofaié as suas terras originais em Brasilândia. Foi o grande moderador para os indígenas se estabelecerem na Fazenda Olímpia durante seis anos, participando principalmente no levantamento de documentos e na manutenção de projetos com o CIMI. Nesse meio tempo, em 1993, inicia a graduação de Ciências Sociais pela UNESP de Marília, não chegando a concluir. O ano de 1996 é marcado pela sua participação como colaborador na demarcação da área indígena Ofaié liderada pela FUNAI.

Em 2001 graduou-se no curso de Direito e concluiu a especialização em História do Brasil na UFMS Campus de Três Lagoas. Em 2004 tornou-se mestre em História, também pela UFMS com a dissertação “O território Ofaié pelos caminhos da história: reencontro e trajetória de um povo” e em 2015 a especialização em Cultura e História dos Povos Indígenas, na UFMS de Campo Grande. Cumpriu mandato de vereador da cidade de Brasilândia entre 2005 e 2008.

Atualmente é diretor presidente do Instituto Cisalpina de Pesquisa e Educação Sócio-Ambiental, atua como pesquisador da UFMS no grupo de pesquisa “Antropologia, Diretos Humanos e Povos Tradicionais” e consultor para o Plano de Sustentabilidade Ofaié da Fibria Celulose S.A. de Três Lagoas-MS.

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Distribuição de cobertores na Aldeia Enodi, em frente ao posto de saúde. (Foto: Carlos Dutra, 2009)

Entrevista cedida ao Núcleo de Documentação Honório de Souza Carneiro – UFMS/CPTL – 20/12/2016.